Em
um livro de 1955, O Fim da Eternidade (The
End of Eternity), o
renomado escritor Isaac Asimov (autor de mais de 500 livros sobre
quase todos os assuntos existentes naquele período) narra a história
de Andrew Harlam, um Técnico da Eternidade.
Para quem lembra da animação Esquadrão do Tempo (Time
Squad, 2001) do Cartoon Network, os paralelos são os mesmos: a
função do Técnico é realizar mínimas mudanças no tempo para
realizar alterações na realidade, assim a instituição denominada
Eternidade regula atividade de todos os séculos dentro de seu campo
de ação, orientando as mudanças para o caminho que eles denominam
como “o certo”. Em uma trama lotada de “plot twists”, Asimov
trabalha diversas teorias cientificas sobre o tempo, realidade e
relatividade, de fato esse é um ponto muito rico da literatura de
Ficção Cientifica.
Para
além da trama, algo que Asimov trabalha muito bem em todos os seus
livros, o que mais me chama atenção em O Fim da Eternidade é
a capacidade que autor tem de inferir previsões concisas sobre o
futuro. Convenhamos que não é pouca coisa prever uma rede de
comunicações que ignora barreiras geográficas em 1949, coisa que
ele faz com a maior naturalidade na sua obra prima, a trilogia
Fundação (Foundation). Asimov tinha a plena certeza
de que as mudanças na tecnologia influenciavam na forma como nós
construímos e representamos o mundo, isto é, conforme as
tecnologias ao nosso redor mudam, nossa forma de encarar o mundo
também muda. Creio que este seja um ponto que nós, como seres
humanos inundados por tecnologias, devemos sempre refletir sobre.
Imagem conferida em http://homoliteratus.com/wp-content/uploads/2016/02/Asimov.jpg |
Desta
forma, nada mais natural que atos cotidianos mudem completamente de
significação ou até mesmo de materialidade! Agora chego ao ponto
que gostaria de tratar: a revolução na leitura. Gostaria de
esclarecer que aqui trato com um amplo conceito de leitura, ou seja,
tudo aquilo que entramos em contato, decodificamos seu código e
refletimos sobre seu conteúdo. Creio que estamos passando por um
processo que está sendo mal compreendido por muitos de nós, se
trata de uma mudança no suporte da leitura. Não apenas podemos ler
em objetos eletrônicos, como smartphones e tablets, mas se trata de
uma mudança mais drástica, a leitura não se trata mais de entrar
em contato com a palavra impressa, mas se dá por novas linguagens,
tais como vídeos e jogos.
Asimov
demonstrou isso muito bem quando descreve as bibliotecas em O Fim
da Eternidade, não existem mais impressos, apenas rolofilmes
que sintetizam a ideia do livro através de um vídeo holográfico. O
cara já tinha algo similar ao YouTube na cabeça em 1955! Portanto
não acho que deva ser uma ideia assombrosa para nós, acho que o mal
estar reside nos ambientes letrados que classificam outras visões de
mundo como alienadas e acham que a Globo realmente controla a opinião
pública. Digo categoricamente que não, cada um constrói o mundo de
acordo com suas influências e gostos, e mais, a internet
possibilitou uma reflexão na leitura, na decodificação de
conteúdo.
Não
sou apocalíptico, não vejo essa mudança como “a morte do livro
impresso” (apesar da atual situação do mercado editorial1)
ou da palavra escrita, até porque existem pessoas como eu que ainda
se apegam muito ao produto editorial. Apenas atesto uma mudança
absurda nas formas de apreensão e reflexão sobre o mundo, devido à
ampliação de acesso às novas tecnologias, assim como uma liberdade
de escolher a linguagem que mais lhe convém.
Contudo
também não acho que toda essa liberdade seja um mar de rosas, mas a
questão reside no nível do mercado, o que é algo delicadíssimo.
Assim como no mundo dos impressos temos a opção de ler Graciliano
Ramos e, a despeito disso, acabamos por ler J. K. Howling, no mundo
das diversas linguagens de leitura (leia-se internet) também temos a
opção de ver melhores ou piores vídeos, ou jogar melhores ou
piores jogos. E bem, isso é normal, num mundo em que o capitalismo
está estruturado de tal forma que ele trabalha em cima dos nossos
mais íntimos desejos, e joga na nossa cara aquilo que possivelmente
nos agradará, ou mais, que produz objetos com maior apelo
mercadológico possível, bem, sim, é normal desde o século XIX.
Porém, não acho que tal presença do mercado anule a experiência,
acho que aprendemos a jogar de acordo com as regras do jogo, é
possível criar em cima das imposições. Com certeza o mercado
influencia, mas no final cada um escolhe aquilo que lhe convir, e
tenho certeza que conforme a vida de leitor se aprofunda a
consciência crítica também se desenvolve. O que não significa que
devemos esperar que todo mundo leia (lembrando que estou trabalhando
com o amplo conceito citado acima) só coisas de “bom gosto”, até
por que sabemos que essa é uma categoria ilusória e excludente.
Nesse
sentido, o YouTube é uma
enciclopédia e World of Warcraft é um Senhor dos Anéis.
Agora sobre uma verdadeira educação tecnológica… esse é assunto
para um próximo texto.
Notas
1“Mercado
editorial encolhe mais de 20% em três anos, revela Fipe”
[http://cultura.estadao.com.br/blogs/babel/mercado-editorial-encolhe-mais-de-20-em-tres-anos-revela-fipe/];
Contudo, mediante à esse “encolhimento”, devemos ter em mente a
democratização do acesso, tais como sites piratas aonde podemos
encontrar diversos PDFs, assim como a difusão das tecnologias que
nos permitem ler a palavras impressas/escritas sem ser
necessariamente através de produtos editoriais.