terça-feira, 28 de novembro de 2017

[Crônica] Isaac Asimov e uma breve reflexão sobre a revolução da leitura no século XXI



Em um livro de 1955, O Fim da Eternidade (The End of Eternity), o renomado escritor Isaac Asimov (autor de mais de 500 livros sobre quase todos os assuntos existentes naquele período) narra a história de Andrew Harlam, um Técnico da Eternidade. Para quem lembra da animação Esquadrão do Tempo (Time Squad, 2001) do Cartoon Network, os paralelos são os mesmos: a função do Técnico é realizar mínimas mudanças no tempo para realizar alterações na realidade, assim a instituição denominada Eternidade regula atividade de todos os séculos dentro de seu campo de ação, orientando as mudanças para o caminho que eles denominam como “o certo”. Em uma trama lotada de “plot twists”, Asimov trabalha diversas teorias cientificas sobre o tempo, realidade e relatividade, de fato esse é um ponto muito rico da literatura de Ficção Cientifica. 

Para além da trama, algo que Asimov trabalha muito bem em todos os seus livros, o que mais me chama atenção em O Fim da Eternidade é a capacidade que autor tem de inferir previsões concisas sobre o futuro. Convenhamos que não é pouca coisa prever uma rede de comunicações que ignora barreiras geográficas em 1949, coisa que ele faz com a maior naturalidade na sua obra prima, a trilogia Fundação (Foundation). Asimov tinha a plena certeza de que as mudanças na tecnologia influenciavam na forma como nós construímos e representamos o mundo, isto é, conforme as tecnologias ao nosso redor mudam, nossa forma de encarar o mundo também muda. Creio que este seja um ponto que nós, como seres humanos inundados por tecnologias, devemos sempre refletir sobre.

Imagem conferida em http://homoliteratus.com/wp-content/uploads/2016/02/Asimov.jpg
 
Desta forma, nada mais natural que atos cotidianos mudem completamente de significação ou até mesmo de materialidade! Agora chego ao ponto que gostaria de tratar: a revolução na leitura. Gostaria de esclarecer que aqui trato com um amplo conceito de leitura, ou seja, tudo aquilo que entramos em contato, decodificamos seu código e refletimos sobre seu conteúdo. Creio que estamos passando por um processo que está sendo mal compreendido por muitos de nós, se trata de uma mudança no suporte da leitura. Não apenas podemos ler em objetos eletrônicos, como smartphones e tablets, mas se trata de uma mudança mais drástica, a leitura não se trata mais de entrar em contato com a palavra impressa, mas se dá por novas linguagens, tais como vídeos e jogos.
Asimov demonstrou isso muito bem quando descreve as bibliotecas em O Fim da Eternidade, não existem mais impressos, apenas rolofilmes que sintetizam a ideia do livro através de um vídeo holográfico. O cara já tinha algo similar ao YouTube na cabeça em 1955! Portanto não acho que deva ser uma ideia assombrosa para nós, acho que o mal estar reside nos ambientes letrados que classificam outras visões de mundo como alienadas e acham que a Globo realmente controla a opinião pública. Digo categoricamente que não, cada um constrói o mundo de acordo com suas influências e gostos, e mais, a internet possibilitou uma reflexão na leitura, na decodificação de conteúdo. 

Não sou apocalíptico, não vejo essa mudança como “a morte do livro impresso” (apesar da atual situação do mercado editorial1) ou da palavra escrita, até porque existem pessoas como eu que ainda se apegam muito ao produto editorial. Apenas atesto uma mudança absurda nas formas de apreensão e reflexão sobre o mundo, devido à ampliação de acesso às novas tecnologias, assim como uma liberdade de escolher a linguagem que mais lhe convém.

Contudo também não acho que toda essa liberdade seja um mar de rosas, mas a questão reside no nível do mercado, o que é algo delicadíssimo. Assim como no mundo dos impressos temos a opção de ler Graciliano Ramos e, a despeito disso, acabamos por ler J. K. Howling, no mundo das diversas linguagens de leitura (leia-se internet) também temos a opção de ver melhores ou piores vídeos, ou jogar melhores ou piores jogos. E bem, isso é normal, num mundo em que o capitalismo está estruturado de tal forma que ele trabalha em cima dos nossos mais íntimos desejos, e joga na nossa cara aquilo que possivelmente nos agradará, ou mais, que produz objetos com maior apelo mercadológico possível, bem, sim, é normal desde o século XIX. Porém, não acho que tal presença do mercado anule a experiência, acho que aprendemos a jogar de acordo com as regras do jogo, é possível criar em cima das imposições. Com certeza o mercado influencia, mas no final cada um escolhe aquilo que lhe convir, e tenho certeza que conforme a vida de leitor se aprofunda a consciência crítica também se desenvolve. O que não significa que devemos esperar que todo mundo leia (lembrando que estou trabalhando com o amplo conceito citado acima) só coisas de “bom gosto”, até por que sabemos que essa é uma categoria ilusória e excludente. 

Nesse sentido, o YouTube é uma enciclopédia e World of Warcraft é um Senhor dos Anéis. Agora sobre uma verdadeira educação tecnológica… esse é assunto para um próximo texto. 

Notas

1“Mercado editorial encolhe mais de 20% em três anos, revela Fipe” [http://cultura.estadao.com.br/blogs/babel/mercado-editorial-encolhe-mais-de-20-em-tres-anos-revela-fipe/]; Contudo, mediante à esse “encolhimento”, devemos ter em mente a democratização do acesso, tais como sites piratas aonde podemos encontrar diversos PDFs, assim como a difusão das tecnologias que nos permitem ler a palavras impressas/escritas sem ser necessariamente através de produtos editoriais.