sexta-feira, 30 de março de 2018

[Crônica] Cristo


Por qual nome você chama Jesus Cristo? Conheço alguns, todos eles se referem à essa força mística e misteriosa. Já ouvi Oxalá, Jah, Krishna, Sidarta Gautama, Mitra, Hércules, Luke Skywalker, sem falar muitos outros que agora não me recordo. Todos essas entidades foram heróis, forças descomunais, enviados à Terra para ensinar caminhos de vida para os seres humanos. 

Talvez eles existiram de verdade, talvez tenham sido mitos, mas qual é a diferença? Num mundo de verdades plurais, a distância entre verdade e mito são anuláveis. Cada um segue o caminho que mais lhe tocar. 

Assim, creio que o melhor é aprender com essas entidades, ou mitos, todos eles ensinam filosofias e estilos de vida válidos até hoje. A raça humana, enquanto espécie, acumulou muitos saberes ao longo do tempo, e a forma privilegiada para transmitir essas ideias foram as narrativas, as histórias, os mitos. Então, nós que aqui estamos não podemos ser arrogantes ao ponto de negar toda a sabedoria e conhecimento advindos do o que foi e já não mais é. Por mais que reinterpretemos essas histórias no hoje, conseguiremos sempre extrair riquezas filosóficas e espirituais. 

Não consigo negar esses mistérios, basta atentarmos para atmosfera do dia, conseguimos sentir a melancolia no ar, a morte de Jesus Cristo nos toca. Independente da minha criação pseudocristã, há nuances que penetram em nossa sensibilidade e criam esse sentimento de amplitude e meditação. Estamos vivendo um ritual, uma suspensão e recriação do tempo. 

Infelizmente não sei a fonte da imagem, quem souber me avise.
Particularmente acredito em Jesus Cristo como um professor, um irmão humano que esteve aberto ao mistério da natureza e conseguiu realizar conexões entre o material e o sensível. Foi o maior professor para todos aqueles que se predispõem a sentir, passou lições de ética e magia, formas de se sentir bem consigo mesmo e com o mundo. Em todas as suas formas, e em todos os seus nomes, suas lições transmitem paz e harmonia, se seguidas com respeito e nunca com soberba. 

Pensemos na história de Jesus, considerando-o um herói no sentido que Joseph Campell emprega1. Ele nasceu de uma força sobrenatural, sem a concepção de um pai material, mas com uma mãe. Cresceu munido de sabedoria e curiosidade, um instinto inato de aventura e descoberta. Batalhou por seus ideais, juntou companheiros e disseminou sua sabedoria entre aqueles dispostos à ouvi-lo. Contou com o auxilio divino e foi provado pelo mal, pois deveria aprender a lidar consigo mesmo e com seus próprios desejos. Foi traído e morreu na cruz, levando consigo todos os pecados da humanidade, sacrificou-se em prol do seu amor. Ressuscitou ao terceiro dia, trazendo novas esperanças e sabedorias. 

Talvez não devamos tomar toda essa narrativa literalmente, até mesmo um respeitável teólogo2 afirma que devemos tomar a Bíblia como um conjunto de símbolos. Retomando o ponto sobre a pluralidade das verdades, creio que interpretar essas histórias como mitos carregados de significados seja mais produtivo do que podar seu potencial criativo colocando-as na caixa da verdade absoluta. 

Assim, hoje, dia que relembramos solenemente a morte carnal de Cristo3, precisamos também lembrar que sua trajetória deve ser um exemplo de vida. Esse ritual é cíclico e acontece todo ano, pois devemos ressignificar o tempo com mudanças. Sempre morreremos, sentiremos desgosto, seremos traídos e o sofrimento baterá à nossa porta. Mas toda vez que tivermos uma luz dentro de nós, uma força misteriosa que nos impulsiona, poderemos seguir em frente. Através de seu mito, Cristo nos ensina à enfrentar as dificuldades de nossa vida.

Nessa eterna batalha contra a vida e a morte, só podemos vencer com as armas do simbólico. 

1Ver CAMPBELL, J. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997.
3Atualmente, a escolha da data é feita baseada na primeira lua cheia após o equinócio da primavera (no Hemisfério Norte) e do outono (no Hemisfério Sul). Neste caso, a Sexta-feira Santa pode ocorrer entre os dias 22 de março e 25 de abril.