Andando
por essa cidade adentro nos mais escuros becos sem saída. Vezes
acompanhado de trilha sonora, vezes ouvindo o ambiente febril. Ando
por um terreno irregular, sujo e decadente. Parece que a morte
espreita cada centímetro de ar que, filtrado por um céu moribundo,
adentra e afeta os pulmões. Por vezes também me sinto preso, as
casas feias e bonitas, também presas no meio de edifícios
assombrosos, me transmitem uma sensação de vazio. Por vezes parece
que ninguém habita essa cidade.
Vale do Anhangabaú, São Paulo, SP - ou simplesmente psychopolis. |
Com
que facilidade me perco no seio desse monstro! Tantas coisas
diferentes resultam em mesmice, assim, não distinguo os caminhos,
minha atenção é devorada pela infinitude. Perdido, esse é o
estado que me define enquanto caminho por essa cidade. Por vezes,
dentro do ônibus ou do metro, vejo milhões de rostos diferentes,
mas novamente me perco. Tantos rostos se mostram iguais. Não vejo
ninguém e ninguém me vê. No mais, todos eles estão mortos, não
são pessoas, são marionetes vazias. Também sou uma marionete
vazia, perdido e sem cordas para me guiar.
Sozinho. Também me sinto muito sozinho. Os olhos das marionetes são
escuros, não há brilho. A desilusão impera, seguida pela morte de
qualquer magia ou mística. Aqui não há qualquer Deus, a todo
instante eles nascem e morrem, deixando infindáveis vestígios que
afogam os sentidos. Por vezes, em dias inteiros, minha única
companhia real são os livros, belos encadernados recheados de
reflexões, eles aliviam muito desse peso que derruba minha
marionete.
O
ódio impera. Raiva, descontentamento, desilusão, angustia. Me sinto
um vaso de energias negativas, dentro floresce uma flor maligna,
escura e estranhamente bela. O mundo se borra cada vez mais diante de
meus olhos sem brilho. Por vezes acho que não vivo e que esse é um
grande pesadelo... na verdade, já desisti de tentar saber o que é
real ou não.
Aqui
nada vive, nada é belo, nada é verdadeiro, nada é justo. O cinza
mata a cor e mata a arte. Ouço o suspiro dos anjos e das musas que,
muitas vezes, passam por mim e me contagiam com suas explosões.
Contudo, tal esplendor é efêmero. O transitório é o palpável, o
fugidio é a existência, o momento é tudo.
Na
cidade tudo é recortado, fragmentado, desfocado. Aqui nada é
sagrado, há apenas humanos travestidos de marionetes sem cordas. Não
há salvação, nem redenção ou reencarnação. Há apenas o
interminável ciclo de ser o que se é. E aí reside o pior tormento:
tentar conhecer-se ao passo que tudo o que resta é uma narrativa
desconstruída.
Ando
por essa cidade que, ao mesmo tempo, é o mundo de fora e o mundo de
dentro. O mundo corre no externo, assim como corre no interno. Minha
cabeça é a prisão, pois assim como me perco nessa cidade, me perco
na minha mente. Caminho por um terreno quebrado e sujo, vagueio pelas
estradas intermináveis e precárias do meu interior. Por mais que eu
perambule por aí e ali, nunca saberei o que se passa, nunca
desvendarei o mistério. O pensamento segue um trem para lugar
nenhum, e o silêncio se repete. Não há separação, eu sou a
cidade.