quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

[Conto]A Cidade e o Pensamento


Andando por essa cidade adentro nos mais escuros becos sem saída. Vezes acompanhado de trilha sonora, vezes ouvindo o ambiente febril. Ando por um terreno irregular, sujo e decadente. Parece que a morte espreita cada centímetro de ar que, filtrado por um céu moribundo, adentra e afeta os pulmões. Por vezes também me sinto preso, as casas feias e bonitas, também presas no meio de edifícios assombrosos, me transmitem uma sensação de vazio. Por vezes parece que ninguém habita essa cidade.
Vale do Anhangabaú, São Paulo, SP - ou simplesmente psychopolis.
Com que facilidade me perco no seio desse monstro! Tantas coisas diferentes resultam em mesmice, assim, não distinguo os caminhos, minha atenção é devorada pela infinitude. Perdido, esse é o estado que me define enquanto caminho por essa cidade. Por vezes, dentro do ônibus ou do metro, vejo milhões de rostos diferentes, mas novamente me perco. Tantos rostos se mostram iguais. Não vejo ninguém e ninguém me vê. No mais, todos eles estão mortos, não são pessoas, são marionetes vazias. Também sou uma marionete vazia, perdido e sem cordas para me guiar.
Sozinho. Também me sinto muito sozinho. Os olhos das marionetes são escuros, não há brilho. A desilusão impera, seguida pela morte de qualquer magia ou mística. Aqui não há qualquer Deus, a todo instante eles nascem e morrem, deixando infindáveis vestígios que afogam os sentidos. Por vezes, em dias inteiros, minha única companhia real são os livros, belos encadernados recheados de reflexões, eles aliviam muito desse peso que derruba minha marionete.
O ódio impera. Raiva, descontentamento, desilusão, angustia. Me sinto um vaso de energias negativas, dentro floresce uma flor maligna, escura e estranhamente bela. O mundo se borra cada vez mais diante de meus olhos sem brilho. Por vezes acho que não vivo e que esse é um grande pesadelo... na verdade, já desisti de tentar saber o que é real ou não.
Aqui nada vive, nada é belo, nada é verdadeiro, nada é justo. O cinza mata a cor e mata a arte. Ouço o suspiro dos anjos e das musas que, muitas vezes, passam por mim e me contagiam com suas explosões. Contudo, tal esplendor é efêmero. O transitório é o palpável, o fugidio é a existência, o momento é tudo. 

Na cidade tudo é recortado, fragmentado, desfocado. Aqui nada é sagrado, há apenas humanos travestidos de marionetes sem cordas. Não há salvação, nem redenção ou reencarnação. Há apenas o interminável ciclo de ser o que se é. E aí reside o pior tormento: tentar conhecer-se ao passo que tudo o que resta é uma narrativa desconstruída.
Ando por essa cidade que, ao mesmo tempo, é o mundo de fora e o mundo de dentro. O mundo corre no externo, assim como corre no interno. Minha cabeça é a prisão, pois assim como me perco nessa cidade, me perco na minha mente. Caminho por um terreno quebrado e sujo, vagueio pelas estradas intermináveis e precárias do meu interior. Por mais que eu perambule por aí e ali, nunca saberei o que se passa, nunca desvendarei o mistério. O pensamento segue um trem para lugar nenhum, e o silêncio se repete. Não há separação, eu sou a cidade.

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