Minha
terra… Uma bela terra, mas a morte sussurra no ouvido de todos. O
medo se espalha com o vento. O silêncio não se deixa intimidar
pelas festas, a música não perturba a vastidão do indizível. O
que eu mais amei foi o calor, o vento quente do verão batendo em meu
peito sempre aliviou meus sentimentos. Só os vinhos e as comidas de
lá me saciavam. Eu nunca gostei das comidas chiques, mas sim do
arroz feito numa panela de barro, dos
peixes
assados na fogueira, dos
frutos do mar frescos e bem servidos, das
belas frutas suculentas e doces. Espanha, essa é a minha terra, y
yo amo tudo lo que esta tierra crea.
Nasci
nas docas da Galícia, mas os meus pais sempre foram nômades, nunca
tive uma casa, sempre vivi nas carroças, seguindo os ventos da vida.
Meu pai era músico, ganhávamos nosso sustento graças à suas
apresentações. Minha mãe dançava enquanto ele tocava, e ela era
linda, seu lindo vestido vermelho rodopiava enquanto seus olhos
verdes encaravam o meu pai. Eles realmente se amavam, e eu fui uma
criança muito querida.
Entretanto, eu não ficava parado enquanto eles
se apresentavam, desde cedo o meu pai me ensinou os truques do furto.
Sou versado nessa arte. Nenhuma moeda passava por mim, toda a plateia
era saqueada. Desde cedo eu tracei o meu futuro, sabia que seria um
grande ladrão, um grande homem com muita riqueza e eu tinha um
sonho. Um rio de ouro! Eu queria construir um rio de ouro, e sabia
que conseguiria, graças aos dotes passados pelo meu pai.
Minha
vida deu uma reviravolta quando fiz 12 anos. Em um vilarejo, me
pegaram enquanto realizava meus trabalhos. Toda minha família foi
acusada, e a população se enfureceu. Naquele dia eu assinei meu
atestado de covarde, meus pais sacrificaram suas vidas para que eu
pudesse fugir, e minha maior dor é que eu não fiz nada para
salvá-los. Vi o meu pai ser degolado enquanto estupravam minha mãe,
e eu só pude chorar, me esconder e correr.
Fugi,
corri por muito tempo até não ver mais o vilarejo. Toda a minha
vida estava perdida, eu estava perdido e os meus pais mortos. Porém,
nunca me senti sozinho, os ensinamentos dos meus pais me acompanharam
pelo resto de minha vida. Eu sabia caçar, conseguia me apresentar em
alguns vilarejos e além disso, minha especialidade se aperfeiçoou,
desde aquele triste
dia minhas mãos eram envoltas por fantasmas, eu
conseguia roubar tudo o que quisesse. Esqueci meu nome de batismo e
adotei uma alcunha que me acompanhou até o tumulo (e depois dele
também), Estrela Vermelha.
Por
mais estranho que pareça, eu, um ladrão e mentiroso, nunca perdi
minha fé em Jesus Cristo, sempre andei com um grande crucifixo
dourado. Mesmo depois de todas as tragédias de minha vida, eu sempre
rezei, sempre conversei com Deus. Nunca pedi perdão, pois eu que
escolhi o meu caminho, eu que escolhi viver no submundo.
Com
16 anos eu conheci um homem que chamei de amigo por muitos anos, ele
me convidou para ser sua dupla, e eu aceitei sem nem pestanejar. A
solidão tinha começado a me incomodar, eu queria ter alguém para
confiar. Nós começamos a ser conhecidos por toda a Espanha, o grupo
do Estrela Vermelha, éramos ladrões reconhecidos, e conforme nossa
fama crescia, mais e mais seguidores adentravam em nosso grupo. Éramos
30 homens, dos mais formidáveis, pistoleiros e espadachins, ladrões
e trapaceiros, ninguém batia de frente conosco, éramos temidos e
respeitados. Por 10 anos eu vivi o paraíso, nada abalava o grupo do
Estrela Vermelha, eu era o líder, junto com o meu amigo, que sempre
me aconselhou e foi quem eu mais respeitei.
Por
10 anos conheci todos os tipos de mulheres, bebi todos os tipos de
vinho, fumei todos os tipos de fumo. Aquela foi minha época de ouro,
o meu sonho de ter um rio de ouro estava prestes a se concretizar.
Porém, algo me chamava, uma voz sempre insistia para que eu desse
metade dos meus lucros para os pobres, e eu sempre fiz isso, nunca
reneguei essa voz, na época eu pensava que era Jesus Cristo, e eu
respeitava, sem nem pestanejar. Alguns dos meus companheiros não
aprovavam essa atitude, mas nenhum deles tinha a ousadia de bater de
frente comigo, eu era temido, tanto na lamina quanto na bala. Eu não me importava mais em matar os meus oponentes, tirei a vida de muitos homens que cruzaram o meu caminho. Eu sabia que os meus atos não eram em vão.
Então
chegou a guerra, uma guerra desnecessária. Todos sabíamos que o rei
iria cair logo, ninguém confiava nele, mas não esperávamos que
seria daquela
forma. Confesso que sempre
fui seduzido pelo pensamento dos comunistas, achava lindo a ideia de
compartilhar toda riqueza, todos poderiam ser ricos! Afinal, desde que fundei o grupo do Estrela Vermelha, eu nunca
roubei dos pobres por um único motivo: toda a riqueza estava nas
mãos de uns poucos, e esses poucos não sabiam gastar o seu ouro.
Isso estava na cara de todos, o mundo era desigual, ninguém olhava
pelos pobres. Durante a guerra eu me aliei aos comunistas, o grupo do
Estrela Vermelha aderiu à resistência e lutamos bravamente contra
os soldados daquele desprezível general Franco.
O
meu amigo, o meu braço direito, a pessoa que eu mais confiava me
traiu. Ele nunca apoiou a união do grupo com os
comunistas, ele não aceitava as ideias, e não simpatizava com o
movimento de resistência. Ele nos traiu, seguindo suas mentiras
fomos emboscados nas Astúrias e, junto com meus 28 homens,
desencarnei ao som de tiros.
Me
lembro de poucas coisas após o meu desencarne, paguei por todas as
vidas que tirei e por todo ouro que roubei. Um dia uma luz me puxou
da escuridão e disse “A nobreza da sua alma sempre foi notada,
mesmo seguindo um caminho obscuro você sempre fez o bem, sempre
atacou o fraco para proteger o forte. Eu quero sua força do meu
lado, venha, temos muito o que fazer”. Aquela luz era tão linda, a
dor se dissipou e eu lembrei o meu nome.
E
essa é a história do meu encarne e desencarne. Uma vida cheia de
amores, cheia de tragédias. Mas fui feliz, eu amei minha vida. E
dela trago algo que nunca abandonarei, sempre lutarei contra as
injustiças, nunca aceitarei o forte menosprezando o fraco, não
deixarei uma criança com frio ou com fome. Yo
soy el Estrela Roja, y sigo mi camino trabajando para el bien.
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