terça-feira, 19 de dezembro de 2017

[Conto?] Estrela Vermelha


Minha terra… Uma bela terra, mas a morte sussurra no ouvido de todos. O medo se espalha com o vento. O silêncio não se deixa intimidar pelas festas, a música não perturba a vastidão do indizível. O que eu mais amei foi o calor, o vento quente do verão batendo em meu peito sempre aliviou meus sentimentos. Só os vinhos e as comidas de lá me saciavam. Eu nunca gostei das comidas chiques, mas sim do arroz feito numa panela de barro, dos peixes assados na fogueira, dos frutos do mar frescos e bem servidos, das belas frutas suculentas e doces. Espanha, essa é a minha terra, y yo amo tudo lo que esta tierra crea.

Nasci nas docas da Galícia, mas os meus pais sempre foram nômades, nunca tive uma casa, sempre vivi nas carroças, seguindo os ventos da vida. Meu pai era músico, ganhávamos nosso sustento graças à suas apresentações. Minha mãe dançava enquanto ele tocava, e ela era linda, seu lindo vestido vermelho rodopiava enquanto seus olhos verdes encaravam o meu pai. Eles realmente se amavam, e eu fui uma criança muito querida. Entretanto, eu não ficava parado enquanto eles se apresentavam, desde cedo o meu pai me ensinou os truques do furto. Sou versado nessa arte. Nenhuma moeda passava por mim, toda a plateia era saqueada. Desde cedo eu tracei o meu futuro, sabia que seria um grande ladrão, um grande homem com muita riqueza e eu tinha um sonho. Um rio de ouro! Eu queria construir um rio de ouro, e sabia que conseguiria, graças aos dotes passados pelo meu pai. 
 
Minha vida deu uma reviravolta quando fiz 12 anos. Em um vilarejo, me pegaram enquanto realizava meus trabalhos. Toda minha família foi acusada, e a população se enfureceu. Naquele dia eu assinei meu atestado de covarde, meus pais sacrificaram suas vidas para que eu pudesse fugir, e minha maior dor é que eu não fiz nada para salvá-los. Vi o meu pai ser degolado enquanto estupravam minha mãe, e eu só pude chorar, me esconder e correr. 
 
Fugi, corri por muito tempo até não ver mais o vilarejo. Toda a minha vida estava perdida, eu estava perdido e os meus pais mortos. Porém, nunca me senti sozinho, os ensinamentos dos meus pais me acompanharam pelo resto de minha vida. Eu sabia caçar, conseguia me apresentar em alguns vilarejos e além disso, minha especialidade se aperfeiçoou, desde aquele triste dia minhas mãos eram envoltas por fantasmas, eu conseguia roubar tudo o que quisesse. Esqueci meu nome de batismo e adotei uma alcunha que me acompanhou até o tumulo (e depois dele também), Estrela Vermelha. 


Por mais estranho que pareça, eu, um ladrão e mentiroso, nunca perdi minha fé em Jesus Cristo, sempre andei com um grande crucifixo dourado. Mesmo depois de todas as tragédias de minha vida, eu sempre rezei, sempre conversei com Deus. Nunca pedi perdão, pois eu que escolhi o meu caminho, eu que escolhi viver no submundo. 
 
Com 16 anos eu conheci um homem que chamei de amigo por muitos anos, ele me convidou para ser sua dupla, e eu aceitei sem nem pestanejar. A solidão tinha começado a me incomodar, eu queria ter alguém para confiar. Nós começamos a ser conhecidos por toda a Espanha, o grupo do Estrela Vermelha, éramos ladrões reconhecidos, e conforme nossa fama crescia, mais e mais seguidores adentravam em nosso grupo. Éramos 30 homens, dos mais formidáveis, pistoleiros e espadachins, ladrões e trapaceiros, ninguém batia de frente conosco, éramos temidos e respeitados. Por 10 anos eu vivi o paraíso, nada abalava o grupo do Estrela Vermelha, eu era o líder, junto com o meu amigo, que sempre me aconselhou e foi quem eu mais respeitei.

Por 10 anos conheci todos os tipos de mulheres, bebi todos os tipos de vinho, fumei todos os tipos de fumo. Aquela foi minha época de ouro, o meu sonho de ter um rio de ouro estava prestes a se concretizar. Porém, algo me chamava, uma voz sempre insistia para que eu desse metade dos meus lucros para os pobres, e eu sempre fiz isso, nunca reneguei essa voz, na época eu pensava que era Jesus Cristo, e eu respeitava, sem nem pestanejar. Alguns dos meus companheiros não aprovavam essa atitude, mas nenhum deles tinha a ousadia de bater de frente comigo, eu era temido, tanto na lamina quanto na bala. Eu não me importava mais em matar os meus oponentes, tirei a vida de muitos homens que cruzaram o meu caminho. Eu sabia que os meus atos não eram em vão.
 
Então chegou a guerra, uma guerra desnecessária. Todos sabíamos que o rei iria cair logo, ninguém confiava nele, mas não esperávamos que seria daquela forma. Confesso que sempre fui seduzido pelo pensamento dos comunistas, achava lindo a ideia de compartilhar toda riqueza, todos poderiam ser ricos! Afinal, desde que fundei o grupo do Estrela Vermelha, eu nunca roubei dos pobres por um único motivo: toda a riqueza estava nas mãos de uns poucos, e esses poucos não sabiam gastar o seu ouro. Isso estava na cara de todos, o mundo era desigual, ninguém olhava pelos pobres. Durante a guerra eu me aliei aos comunistas, o grupo do Estrela Vermelha aderiu à resistência e lutamos bravamente contra os soldados daquele desprezível general Franco. 
 
O meu amigo, o meu braço direito, a pessoa que eu mais confiava me traiu. Ele nunca apoiou a união do grupo com os comunistas, ele não aceitava as ideias, e não simpatizava com o movimento de resistência. Ele nos traiu, seguindo suas mentiras fomos emboscados nas Astúrias e, junto com meus 28 homens, desencarnei ao som de tiros. 
 
Me lembro de poucas coisas após o meu desencarne, paguei por todas as vidas que tirei e por todo ouro que roubei. Um dia uma luz me puxou da escuridão e disse “A nobreza da sua alma sempre foi notada, mesmo seguindo um caminho obscuro você sempre fez o bem, sempre atacou o fraco para proteger o forte. Eu quero sua força do meu lado, venha, temos muito o que fazer”. Aquela luz era tão linda, a dor se dissipou e eu lembrei o meu nome.

E essa é a história do meu encarne e desencarne. Uma vida cheia de amores, cheia de tragédias. Mas fui feliz, eu amei minha vida. E dela trago algo que nunca abandonarei, sempre lutarei contra as injustiças, nunca aceitarei o forte menosprezando o fraco, não deixarei uma criança com frio ou com fome. Yo soy el Estrela Roja, y sigo mi camino trabajando para el bien.

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