terça-feira, 12 de dezembro de 2017

[Crônica] Tratado anti-politicamente correto


Desde os anos 1960 estamos vendo a ascensão de diversos movimentos sociais, assim como a afirmação e resgates das identidades minoritárias. Interessante observar que esse processo se intensificou no momento em que o capitalismo instaurou, definitivamente, suas raízes no meio da cultura. São dois movimentos que não estão desassociados: afirmação identitária e consolidação do capitalismo global. 

Se me permitem fazer uma breve analise – desde já afirmo o meu lugar privilegiado de homem branco hétero e blablablá – creio que em nossa era, dita “pós-moderna”, o indivíduo está tão bem constituído que o que realmente conta não é a luta ideológica, ou emancipatória de seu grupo, mas sim a sua exclusiva afirmação identitária. Tanto que a grande parte dos discursos que vejo sobre racismo e feminismo (não generalizo, pois ainda vejo posicionamentos inspiradores) basicamente dizem “CAIA FORA DO MEU ESPAÇO E NÃO FALE NADA QUE EU NÃO QUEIRA OUVIR”. Claro que eu compreendo a história traumática desses grupos que sofreram inúmeras opressões ao longo da história, e longe de mim negar a eficácia emancipatória dos movimentos socioculturais, aliás afirmo categoricamente que eles devem existir, muitos direitos básicos foram conquistados graças aos seus esforços. Entretanto, acho que podemos conversar sobre essa preocupação exacerbada com o indivíduo.
 
No momento, todos os conflitos políticos são transportados diretamente para os conflitos culturais, e podemos confirmar que determinados grupos consomem certo número de artistas que eles consideram “desconstruídos” ou “críticos”. No final eles acabam reforçando um nicho do mercado e construindo sua identidade em cima de produtos culturais. Acho que em pleno século XXI não é mais novidade dizer que a cultura também é um mercado. Pois bem, Deleuze e Guatarri já haviam escrito nos anos 19802 que a tendência do capitalismo é englobar todos os fluxos descontínuos, ou seja, qualquer forma de fugir do capitalismo deveria estar sempre se vigiando para não ser consumida pelo mercado. Pois bem, o politicamente correto foi englobado pelo mercado, e digo mais, essa anexação das identidades minoritárias pelo mercado produziram um mecanismo sutil que transforma o “discurso emancipatório” em “discurso da distância”. Tal distância opera da seguinte forma: “NÃO INVADA MEU ESPAÇO, NÃO CHEGUE PERTO DE MIM, SÓ OS MEUS ‘IGUAIS’ ME ENTENDEM E O ‘OUTRO’ SÓ CARREGA PRECONCEITOS QUE EU NÃO ACEITO”. No final, o que se produz é um profundo distanciamento entre as pessoas, pois apenas grupos específicos se aceitam. 
 
Diante esse profundo preconceito e distanciamento entre as pessoas, comecei a perceber que o “humor negro” pode ter um papel positivo nessa situação. Por favor compreendam o que eu digo, não estou fazendo apologia à opressão, nem ao racismo ou ao machismo, mas digo que em um ambiente “sem máscaras” identitárias as pessoas se aproximam mais. O politicamente correto ligado em todos os momentos produz distâncias e intolerâncias – o paradoxo extremo é o suposto “emancipado” ser intolerante. E esse é o meu mal-estar com o fanatismo do politicamente correto, as pessoas simplesmente entram no jogo do capitalismo e reforçam uma roda de opressão, sempre excluindo e se distanciando do mundo real, assim nascem Bolsonaros e Trumps ao redor do globo. Eles são uma reação às afirmações identitárias e excludentes, o conservadorismo mascara-se de violência, pois sentem-se ameaçados. O conservadorismo usa a violência para produzir sua própria identidade excludente, no final vemos uma circulo de exclusão em os ambos os lados do fronte. 
 
Na era das “identidades”, nada me tira da cabeça que a forma mais efetiva de lutar contra os “ismos” é adotá-los e subvertê-los, no final devemos mostrar o quão patéticas e engraçadas são essas piadas e que elas não devem ser consideradas como algo “sério”. Jorge Luís Borges já nos ensinou que a ironia é uma forma muito efetiva de se posicionar frente às injustiças. O absurdo é a melhor forma de invalidar qualquer discurso. Tenho certeza que no momento que uma pessoa me conta uma piada de “mal gosto”, sei que posso ser amigo dessa pessoa, pois abolimos as distâncias entre nós e nos apropriaremos de qualquer discurso da maneira mais libertária que quisermos.

Finalizo com uma música que traduz muito bem esse movimento, afinal foi ela que me propiciou essa reflexão.

E procurando se encontrar, pessoas se perdem. Há sempre aquele medo em torno do que vão dizer, mas ser inadequado é muito bom para romper padrões que ditam o que fazer e como agir. Estou tão cansado desses grupos que ao invés de tentar criar uma união por nossos pensamentos iguais, não respeitam as diferenças, preferem excluir. Eu tenho que aceitar mais um clichê para seguir? Quem é você é quem você quer!?” 
 


1Esse é um estudo de caso bem interessante, pois a autora analisa a discursividade dos movimentos sociais no nordeste. Costa, Mônica Rodrigues, Movimentos sociais e experiências emancipatórias. Revista Emancipação, 2015: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/7712
2Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil platôs - capitalismo c esquizofrenia, vol. 5. São Paulo: Ed. 34, 1997

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