Desde os anos 1960 estamos vendo a ascensão de diversos movimentos
sociais, assim como a afirmação e resgates das identidades
minoritárias. Interessante observar que esse processo se
intensificou no momento em que o capitalismo instaurou,
definitivamente, suas raízes no meio da cultura. São dois
movimentos que não estão desassociados: afirmação identitária e
consolidação do capitalismo global.
Se
me permitem fazer uma breve
analise – desde já afirmo o meu lugar privilegiado de homem branco
hétero e blablablá – creio que em nossa era, dita “pós-moderna”,
o indivíduo está tão bem constituído que o que realmente conta
não é a luta ideológica, ou emancipatória de seu grupo, mas sim a
sua exclusiva afirmação identitária. Tanto que a grande parte dos
discursos que vejo sobre racismo e feminismo (não generalizo, pois
ainda vejo posicionamentos inspiradores) basicamente dizem “CAIA
FORA DO MEU ESPAÇO E NÃO FALE NADA QUE EU NÃO QUEIRA OUVIR”.
Claro que eu compreendo a história traumática desses grupos que
sofreram inúmeras opressões ao longo da história, e longe de mim
negar a eficácia emancipatória dos movimentos socioculturais, aliás
afirmo categoricamente que eles devem existir, muitos direitos
básicos foram conquistados graças aos seus esforços.
Entretanto, acho que podemos
conversar sobre essa preocupação exacerbada com o indivíduo.
No momento, todos os conflitos
políticos são transportados diretamente para os conflitos
culturais, e podemos confirmar que determinados grupos consomem certo
número de artistas que eles
consideram “desconstruídos” ou “críticos”. No final eles
acabam reforçando um nicho do mercado e construindo sua identidade
em cima de produtos culturais. Acho
que em pleno século XXI não é mais novidade dizer que a
cultura também é um mercado. Pois bem,
Deleuze e Guatarri já haviam escrito nos anos 19802
que a tendência do capitalismo é englobar todos os fluxos
descontínuos, ou seja, qualquer forma de fugir do capitalismo
deveria estar sempre se vigiando
para não ser consumida pelo mercado. Pois bem, o politicamente
correto foi englobado pelo mercado, e digo mais, essa anexação das
identidades minoritárias pelo mercado produziram um mecanismo sutil
que transforma o “discurso emancipatório” em “discurso da
distância”. Tal distância opera da seguinte forma: “NÃO INVADA
MEU ESPAÇO, NÃO CHEGUE PERTO DE MIM, SÓ OS MEUS ‘IGUAIS’ ME
ENTENDEM E O ‘OUTRO’ SÓ CARREGA PRECONCEITOS QUE EU NÃO
ACEITO”. No final, o que se produz é um profundo distanciamento
entre as pessoas, pois apenas grupos específicos se aceitam.
Diante
esse profundo preconceito e distanciamento entre as pessoas, comecei
a perceber que o “humor negro” pode ter um papel positivo nessa
situação. Por favor compreendam o que eu digo, não estou fazendo
apologia à opressão, nem ao racismo ou ao machismo, mas
digo que em um ambiente “sem máscaras” identitárias as pessoas
se aproximam mais. O politicamente correto ligado em todos os
momentos produz distâncias e intolerâncias – o paradoxo extremo é
o suposto “emancipado” ser intolerante. E esse é o meu mal-estar
com o fanatismo do politicamente correto, as
pessoas simplesmente entram
no jogo do capitalismo e reforçam
uma roda de opressão, sempre excluindo e se distanciando do mundo
real, assim nascem Bolsonaros e Trumps ao redor do globo. Eles são
uma reação às afirmações identitárias e excludentes, o
conservadorismo mascara-se de
violência, pois sentem-se ameaçados. O conservadorismo usa a violência para
produzir sua própria identidade excludente, no final vemos uma
circulo de exclusão em os ambos os lados do fronte.
Na
era das “identidades”, nada
me tira da cabeça que a forma mais efetiva de lutar contra os
“ismos” é adotá-los e subvertê-los, no final devemos mostrar o
quão patéticas e engraçadas são essas piadas e que elas não
devem ser consideradas como algo “sério”. Jorge
Luís Borges já nos ensinou que a ironia é uma forma muito efetiva
de se posicionar frente às injustiças.
O
absurdo é a melhor forma de invalidar qualquer
discurso. Tenho certeza que no momento que uma pessoa me conta uma
piada de “mal gosto”, sei que posso ser amigo dessa pessoa, pois
abolimos as distâncias entre nós e nos apropriaremos de qualquer
discurso da maneira mais libertária que quisermos.
Finalizo
com uma música que traduz muito bem esse movimento, afinal foi ela
que me propiciou essa reflexão.
“E
procurando se encontrar, pessoas se perdem. Há sempre aquele medo em
torno do que vão dizer, mas ser inadequado é muito bom para romper
padrões que ditam o que fazer e como agir. Estou tão cansado desses
grupos que ao invés de tentar criar uma união por nossos
pensamentos iguais, não respeitam as diferenças, preferem excluir.
Eu tenho que aceitar mais um clichê para seguir? Quem é você é
quem você quer!?”
1Esse
é um estudo de caso bem interessante, pois a autora analisa a
discursividade dos movimentos sociais no nordeste. Costa, Mônica
Rodrigues, Movimentos sociais e experiências emancipatórias.
Revista Emancipação, 2015:
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/7712
2Deleuze,
Gilles; Guattari, Félix. Mil platôs - capitalismo c
esquizofrenia, vol. 5. São Paulo: Ed. 34, 1997
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