terça-feira, 26 de dezembro de 2017

[Conto] Relatos de uma busca - 1


Um dia muito quente, realmente quente. Eu consigo ver uma névoa pairando acima das águas, o sol não perdoa nada sob o seu brilho. Já não sei mais que dia é hoje, fazem anos que iniciei minha viagem pelas vastidões desse país. Até agora juntei diversos relatos, mas escrevo para o nada, ou para a eternidade, pois não deixarei ninguém ler essas palavras. Me acusariam de louco. Ninguém imagina quão o absurdo e o mítico são reais. 

Os motivos que me impulsionaram a começar esta jornada me são turvos. Depois de todo esse tempo, e de tantos absurdos, minha memória começou a falhar. Por isso é melhor escrever, não posso deixar minhas memórias morrerem, tenho uma promessa a cumprir, tenho um caminho para encontrar. 

Por hora estou no meio de uma floresta, beiro um extenso rio que exala vida. Tudo aqui é vivo e pesado. O ar aqui é denso e não há como evitar o calor. Diversos insetos voam em minha direção, as vezes nem percebo quando eles grudam em minha pele. Graças a minha maldição sou imune à doenças, então nem me preocupo com esses bichos. Carrego poucas coisas, apenas uma mochila com algumas mudas de roupa, dois livros que me guiam, mapas, este caderno no qual escrevo e uma pena. Descobri como fazer tinta utilizando algumas frutas coloridas, não faço ideia do nome delas. Meu instinto de sobrevivência apita o tempo todo, por algum motivo instintivo compreendo as razões de ser desse ambiente, e a cada minuto aprendo novos meios de sobreviver nessa terra. 

Johann Moritz Rugendas - Paisagem na Selva Tropical Brasileira (1830)
 
Se não me engano, comecei a andar por essa floresta, beirando esse rio, depois que um velho me contou a história de uma sereia que vive nas profundezas dessas águas. Segundo ele, outro amaldiçoado, como eu, havia procurado essa sereia, e ela havia lhe dado uma pista, um caminho. Qualquer resquício de verdade me é o suficiente, não sei para onde ir, então qualquer pista é valiosa, qualquer chance é ouro. 

Não posso negar que essas águas tem poder, sinto uma vibração densa emergindo de suas ondas pacificas. Os nativos que encontrei possuem um profundo respeito por essas águas. Ela é o sinônimo de vida, ou seja, também é a morte. Eu não gostaria de conhecer a fúria dessas águas escuras, uma voz me sussurra “cuidado”. Estou sendo cauteloso, espero não desrespeitar a entidade que aqui habita, apenas quero sua ajuda. 
 
O sobrenatural não está me assustando mais, vejo espíritos e elementais caminhando por todos os cantos. Acho que mudei muito nesse tempo de viagem, antes de sair eu tinha tanto medo dessas manifestações, nunca lidei bem com minha capacidade de sentir o mundo místico. Os espíritos da floresta estão muito assustados, sei que não é a minha presença que lhes incomoda, mas algo sutil, algo que não consigo perceber, devo ficar atento. Esses dias vi uma grande cobra voando em direção à lua, alguns espíritos montavam suas costas, e todas as entidades que habitavam a floresta prestaram seu respeito. Ainda não descobri o que foi aquilo, a próxima vez que um espírito se comunicar comigo vou lhe perguntar o que foi aquela manifestação. Por algum motivo a morte não me assusta mais, ela está tão perto que as vezes sinto sua respiração. Minhas únicas armas para evitá-la são meus conhecimentos e meu instinto. 
 
Contudo, não posso me afastar do meu objetivo, preciso encontrar aquela sereia. Quero voltar a dormir, a minha maldição não me permite fechar os olhos, sinto o cansaço de todos esses anos pesando em meus ombros, quero um pequeno descanso. Essa sereia me ajudará, conseguirei alguma dica valiosa com ela, não posso perder a esperança.

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