Meu
avô vendia cigarros, não quaisquer cigarros, mas aqueles
contrabandeados do Paraguai. Essa era a fonte de renda complementar
dos meus avós, o que vinha para suprir o buraco que a aposentadoria
não cobria. Meu avô, senhor Manuel, vendeu seus cigarros por anos
em um ponto de ônibus, localizado na praça atrás da escola aonde
estudei meu primário. Acontece que todo mundo tinha o meu avô em
alta consideração, pois além de ele estar postado em um ponto
privilegiado do bairro, ele também era bom de conversa.
Meus
avôs vieram do Pernambuco para São Paulo em meados dos anos 60, se
estabilizaram-se por aqui na segunda vinda. Duvido muito que meu avô
imaginou que terminaria sua vida vendendo cigarros do Paraguai. Pelo
o que conheço de muitas histórias, ele já tinha sido segurança,
operário, atendente de locadora, e muitas outras coisas, contudo
finalizou sua vida como “Seu Mané do cigarro”. Muito do o que me
intriga é o fato de meu avô ter comparecido no velório de muitos
falecidos clientes, vítimas do cigarro. Acho que ele encarava como
uma espécie de fardo, ou ultima missão, pois sempre me pareceu que
lhe era penosa essa profissão.
Minha
mente, assim como minhas representações identitárias e temporais,
não me permitem compreender o porque meus avós iam tanto nos
enterros e velórios dos falecidos. As vezes eles nem conheciam muito
bem a pessoa, mas iam mesmo assim, quase como que para bater um
ponto. Nisso lembro-me de uma ilustre frase da minha avó, com mais
ou menos essas palavras (cito de memória): “compareço em todos os
enterros porque quando eu morrer quero muitas pessoas no meu”. O
silêncio do meu avô, perante essa afirmação, demonstra que ele
não só concordava como era cúmplice dessa opção fúnebre. Posso
atestar que os dois conseguiram o que desejaram, os velórios de
ambos foram bem lotados.
O
“Seu Mané” vendeu seus Eights, Gifts, Tês,
Santiagos, Vila Ricas até suas ultimas semanas de
vida. Ele faleceu subitamente, de um ataque fulminante, creio que sem
qualquer sofrimento. Nada me tira da cabeça que ele estava me
esperando para morrer. Na época eu já estava fazendo faculdade em
Franca e só voltava para São Paulo a cada dois meses. No dia que eu
cheguei ele me olhou com espanto e disse “Mas você está aqui?”.
Creio que foi uma surpresa, pois sinto que meu avô só estava
esperando o momento em que toda a família estivesse em casa para
enfim descansar.
Hoje
fumei um Gift enquanto pensava sobre a vida, descaradamente me
bateram essas lembranças. Hoje em dia ando tão vazio que a aura
mística dos meus avós me encanta, gostaria muito de revê-los para
ter uma bela conversa. Desonrei tanto a memória deles, preciso pedir
desculpas, não dei o real valor à toda aquela experiência de vida.
Queria seus conselhos agora, pois nesse momento me parece que tudo é
opaco, que não existe cor nenhuma, sinto que um colapso está para
chegar. Queria os braços deles nos meus ombros para me chamarem de
besta, e assim me mostrarem a beleza do que pode haver na vida,
queria que eles me falassem para não desistir e para ser forte como
eles… Mas acho que é tarde demais para querer isso.
Algum
dia escrevo uma biografia completa dos meus avós, eu prometo isso,
PROMETO. Contudo, nesse momento, o objeto dessa crônica é o de não
me permitir esquecer o quanto devo toda minha vida aos cigarros do
Paraguai, o quanto devo minha vida ao sacrifício trabalhoso de meu
avô.
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