quinta-feira, 16 de março de 2017

[Conto]Deus não vai aparecer quando todas as luzes morrerem


“Quanto tempo faz? Já estou aqui há dias, não, semanas… Meu corpo se esvaí a cada movimento. Sinto que estou perdido. Essa tempestade não para, e os monstros não param de aparecer”.

No lugar aonde estava não havia tempo para pensamentos. A Tempestade, brutal maldição, assola as terras da fronteira pela eternidade, graças a ela não é possível distinguir o dia da noite. Ventos poderosos e gotas de água cortante se batiam contra seu corpo, só lhe era permitido enxergar, em meio à plena escuridão da Tempestade, devido ao brilho dos relâmpagos que se chocavam contra a terra rochosa e lamacenta. 

Monstros flutuantes, feitos de eletricidade, apareciam a todo instante. Eram invocações de Vain, o feiticeiro imortal – as terras da fronteira eram seu lar e, de lá, ele comandava os exércitos demoníacos que assolavam o mundo com caos e guerra. Reybold, o capitão da guarda divina, era um homem obstinado e foi escolhido para realizar uma missão: invadir as terras da fronteira e encarar Vain. 

“Preciso lutar, preciso seguir em frente! Vou acabar com Vain, vou acabar com as ameaças do mundo. O medo não perpetuará! Mesmo que toda a esperança tenha me abandonado, mesmo que todo o meu exército de mil homens tenha perecido, eu vou seguir em frente. Deus! Por que você não me ajuda? Por que você não me deu força para proteger meus homens? Por que você não os protegeu?”.

Contudo, as certezas de Reybold começavam a se fragilizar. Ele lutava contra os monstros elétricos ao mesmo tempo que lutava contra sua própria consciência. Seus olhos já não viam brilho no mundo, apenas morte e sangue coloriam aquela paisagem. Começará a duvidar dos deuses e de toda a sua carreira militar, mais de 15 anos supostamente a serviço de Deus. Sua cabeça tempestuava e girava, assim como sua espada que atravessava os monstros com golpes brutais. Sua dança era caótica e confusa, seus pensamentos só lhe traziam mais desespero. 

“Como pode um Deus permitir que haja tanto sofrimento em nome dele? QUINZE ANOS! Quinze anos lutando em prol de um Deus que nunca me respondeu. Quantos monstros já não matei? Quantos demônios não exorcizei? Nunca recebi ajuda de Deus nenhum, apenas eu e meus companheiros expurgamos o mal da nossa terra suja e abandonada! Meus companheiros… Todos mortos agora. MALDITOS MONSTROS, saim do meu caminho, não importa se Deus me abandonou, ou se nunca existiu, vou vingar meus companheiros!”.

Um ideal se acendeu em seu coração, um fogo intenso alimentado por um único objetivo: vingança. Alimentando esse fogo, ele não mais sentiu o buraco em seu peito que arrasava suas emoções, também não sentiu mais suas roupas e armadura manchadas com sangue. 

Reybold lutou por horas, sem cessar ou descansar, os corpos se amontoavam enquanto ele abria caminho pela escuridão da Tempestade. Sua fúria, seu ódio, seu desejo por vingança lhe impulsionavam e acalmavam sua mente. Nada existia além de sua vingança, sua concentração se espalhava por todo o corpo, ele se sentia um com sua espada que dançava desferindo golpes letais. 

Dias se passaram com a luta de Reybold, e então, em determinado dia, assombrosamente, se abriu um buraco no céu de onde saia uma luz vermelha sangue. Desse buraco descia uma figura envolta em trevas encandecestes. Com um movimento de seu cajado, todos os monstros elétricos sumiram. A chuva não o tocava, parecia que ela o respeitava, se desviando por onde aquela figura negra passava. Não era possível ver seu rosto, mas sua voz retumbou como um trovão. 

- Bravo guerreiro! Reconheço sua força, já fazem dias que você está em sua jornada incansável, lutando sem trégua contra os meus monstros. Agora, aqui estou. Sou Vain, o senhor do medo, vim lhe entregar seu presente final.
Reybold não era mais capaz de articular palavras, seu pensamento se transformará numa espiral de ódio, a vingança era o único brilho que sua mente mantinha. Mas seu corpo e alma reconheceram o som “Vain”. Uma força animal lhe dizia instintivamente para atacar, essa “ordem” lhe dizia para ser o mais brutal possível contra aquela sombra envolta em medo. Reybold se desembestou a correr, com a espada em riste e ódio no olhar desvairado. 

Vain se dignou apenas a levantar seu cajado, com esse mínimo ato ele suspendeu Reybold no ar.

- Pobre homem. A bravura e a loucura andam de mãos dadas. Fique feliz, você vai morrer agora e não haverá nenhum julgamento para sua alma. Você simplesmente desaparecerá, como o nada que você é! Nenhum deus vai vir te salvar, pois eu sou o único deus desse mundo. Eu sou o medo e a morte, Reybolt. Eu sou tudo o que vocês mais temem desde a aurora dos tempos: o desconhecido. Estou aqui para livrar o mundo de vocês, homens imundos. Vocês não me deixaram escolha, com toda a maldade e loucura que exalam… TENHO QUE EXTERMINÁ-LOS! Vocês são um erro da natureza. 

Com essas palavras, a energia cósmica denominada Vain disferiu um raio negro que desintegrou o corpo de Reybolt. O silêncio voltou a reinar, apenas se ouvia a chuva que era o prelúdio do crepúsculo da humanidade.

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